Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a entrada em vigor da Lei 14.112/2020 e havendo programa de parcelamento tributário implementado, tornou-se indispensável a apresentação das certidões negativas de débito tributário – ou certidões positivas com efeito de negativas – para a concessão da recuperação judicial.
O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao negar recurso especial em que um grupo empresarial sustentava, entre outros argumentos, que a exigência de comprovação de regularidade fiscal para a concessão da recuperação seria incompatível com o objetivo de preservar a função social da empresa.
Ainda de acordo com as empresas recorrentes, a dispensa das certidões negativas não traria prejuízo à Fazenda Pública, tendo em vista que as execuções fiscais não são atingidas pela concessão da recuperação judicial.
O caso teve origem em pedido de recuperação no qual o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou, de ofício, que as empresas providenciassem a regularização fiscal, sob pena de decretação de falência. Além de questionar essa exigência, as empresas recorreram ao STJ alegando que o tribunal proferiu decisão extra petita ao determinar a apresentação da documentação fiscal.
STJ modificou entendimento sobre obrigatoriedade da certidão após Lei 14.112/2020
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator, lembrou a evolução do tema no STJ. Segundo ele, após a entrada em vigor da Lei 11.101/2005, a corte entendeu que, por não ter sido editada lei que tratasse especificamente do parcelamento dos débitos tributários das empresas em recuperação, não se poderia exigir a apresentação das certidões indicadas no artigo 57 daquela norma, nem a quitação prevista no artigo 191-A do Código Tributário Nacional, sob pena de tornar inviável o instituto da recuperação judicial.
Depois da edição da Lei 14.112/2020 – que, de acordo com o ministro, implementou “um programa legal de parcelamento factível” para as dívidas federais –, a Terceira Turma, no REsp 2.053.240, passou a considerar não ser mais possível dispensar a apresentação das certidões negativas de débitos fiscais para a concessão da recuperação judicial.
“Logo, após as modificações trazidas pela Lei 14.112/2020, a apresentação das certidões exigidas pelo artigo 57 da Lei 11.101/2005, com a ressalva feita em relação aos débitos fiscais de titularidade das fazendas estaduais, do Distrito Federal e dos municípios, constitui exigência inafastável, cujo desrespeito importará na suspensão da recuperação judicial”, completou.
Ausência de certidões não resulta em falência, mas na suspensão da recuperação
Segundo o voto do ministro Cueva, constatada a violação ao artigo 57 da Lei 11.101/2005, o TJSP poderia analisar a questão de ofício – ou seja, sem necessidade de manifestação da parte credora sobre o assunto.
Apesar dessa possibilidade, o relator destacou que a não apresentação das certidões fiscais não resulta na decretação de falência da empresa – por falta de previsão legal nesse sentido –, mas sim na suspensão da recuperação judicial
Apesar da notícia original constar “Após Lei 14.112/202, certidão negativa fiscal é indispensável para deferimento da recuperação”, a equipe de advogados especialistas do escritório Inocêncio de Paula, evidenciou-se tratar o caso de concessão da recuperação judicial e não deferimento.
Como bem destaca Marcelo Sacramone¹, “a decisão de processamento da recuperação não se confunde com a decisão de concessão. O processamento apenas determina que o procedimento poderá ser realizado para a apresentação do plano de recuperação judicial à negociação com os credores. Para a decisão de processamento da recuperação judicial, não há apreciação sobre a viabilidade econômica da empresa ou sobre a veracidade das demonstrações financeiras. A análise do juízo ao deferir o processamento da recuperação judicial é meramente formal, à vista dos documentos requisitados pela Lei, e diante da legitimidade do requerente ao pedido de recuperação judicial.”
Já a concessão da Recuperação Judicial nas palavras de Marlon Tomazette² “ Aprovado o plano de recuperação judicial e apresentadas as certidões, ou dispensada a sua apresentação, o juiz concederá, por sentença, a recuperação judicial. A partir dessa decisão, o devedor deverá atuar com o nome seguido da expressão em recuperação judicial, até que se finalize o processo. Outrossim, o juiz deverá oficiar a junta comercial para que tal decisão seja averbada junto ao registro do empresário, dando a maior publicidade possível ao estado de recuperação judicial.”
Desta forma, verifica-se que os termos deferimento da Recuperação Judicial e concessão da Recuperação Judicial, são distintos e não podem ser usados de forma indiscriminada.
Leia o acórdão no REsp 2.082.781.
¹ Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência / Marcelo Barbosa Sacramone. – 4. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2023,pág. 174.
² Curso de direito empresarial – volume 3 – falência e recuperação de empresas / Marlon Tomazette. – 12. ed. – São Paulo : SaraivaJur, p. 115.