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A recuperação judicial e a possibilidade de intervenção estatal na Light

Lado outro, diante das dificuldades financeiras-econômicas que levaram ao pedido de RJ, a extinção do contrato de concessão pode ocorrer pelo inadimplemento das obrigações.

Em 12/5/23 foi ajuizado pedido de recuperação judicial pela empresa Light S/A., holding do Grupo Light, perante a 3ª vara Empresarial do Estado do Rio de Janeiro, informando passivo no importe de 11 bilhões de reais. Ainda, foi realizado pedido de tutela provisória de urgência em caráter incidental pelas concessionárias Light – Serviços de Eletricidade S.A. e Light Energia S.A., pugnando pela extensão de efeitos protetivos.

As concessionárias sustentam que são controladas pela holding e que apesar da independência entre si, suas operações e tomada de decisões são intrinsecamente interligadas.

Na sentença proferida em 15/5/23, foi deferido o pedido de processamento da recuperação judicial da primeira autora, Light S/A, tendo em vista se tratar de holding pura, possuir legitimidade e preencher os requisitos legais para tanto.

Segundo o art. 18 da lei 12.767/12, é vedada a aplicação dos regimes de recuperação judicial e extrajudicial às empresas concessionárias de serviço público. Não obstante, na referida sentença, o MM. Juiz deferiu o pedido de “extensão dos efeitos do stay period às CONCESSIONÁRIAS LIGHT – SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S.A. e LIGHT ENERGIA S.A., até a homologação judicial do Plano de Recuperação Judicial a ser deliberado em Assembleia Geral de Credores, pois embora não estejam em recuperação judicial, fazem parte do Grupo Light, cujo patrimônio há de ser resguardado, considerando o aspecto social de seu serviço essencial, a preservação da empresas e a viabilidade de sua reestrutura econômica”.

Em nota divulgada  acerca da sentença em comento, o Ministério Público do Paraná assim consignou: “É possível interpretar que, indiretamente, a decisão flexibilizou a regra do art. 18 da lei 12.767/12, em prejuízo do procedimento mais adequado de intervenção para adequação do serviço público, o que chama atenção do ponto de vista da possibilidade jurídica e da fiscalização dos interesses públicos envolvidos”. (Ministério Público do Paraná, 2023, online)

No que diz respeito às concessionárias, observa-se que os contratos vencem em 2026 e o pedido de renovação deve ser apresentado até junho do corrente ano, o que pode ser uma dificuldade a ser enfrentada perante o processo de RJ.

Ressalta-se que em fase pré-processual havia sido deferido o procedimento de mediação, o qual foi conduzido pelo Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA). Contudo, restaram frustradas as negociações. Na sentença que deferiu o processamento da RJ, proferida em 15/5/23, foi determinado o encerramento da mediação, facultando à Recuperanda que as negociações tivessem continuidade no âmbito da RJ.

Destaca-se também que dentre as alterações promovidas pela lei 14.112/20 na lei 11.101/05, tem-se a inclusão do inciso II do art. 20-B, o qual dispõe que serão admitidas conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial em conflitos que envolverem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais.

Acerca do assunto, leciona Marcelo Sacramone: “Mesmo que a controvérsia não verse especificamente sobre o crédito, a mediação e conciliação foram expressamente autorizadas para resolver conflitos que envolverem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos municipais, distritais, estaduais ou federais. Sua abrangência procura assegurar que a preservação do interesse público buscada pelos órgãos regulares ou entes públicos possa ser mais bem esclarecida para que se verifique, pelas partes, sua compatibilidade com a pretendida manutenção da atividade empresarial pelo empresário em recuperação judicial.”. (Marcelo Sacramone, 2022, p. 161)

Já nas palavras de Manoel Justino Bezerra Filho: “Embora aqui o exame se dirija às recuperações judiciais e extrajudiciais, anote-se apenas para constar que o art. 195 prevê que a decretação da falência das concessionárias de serviços públicos implica a extinção da concessão, para que não se permita a cessação do serviço público prestado, que não pode sofrer solução de continuidade. Para essas concessionárias, ou inc. II do art. 20-B, especificamente, permite a aplicação de conciliação e mediação. Agiu de forma correta o legislador ao especificar essa possibilidade, pois em princípio a crise da concessionária ou permissionária de serviço público, desperta, sempre, um temor maior, que poderia levar a imaginar ser vedado o acesso às possibilidades aqui elencadas. Se isso virá trazer benefícios ou malefícios, apenas o dia a dia da aplicação da Lei é que dirá; no entanto, insista-se, essa previsão legal objetiva é saudável, na medida em que indica, especificamente, essa possibilidade de aplicação”(Manoel Justino Bezerra Filho, 2022, p. 120).

Extrai-se, portanto, que a previsão de extinção do contrato de concessão em caso de falência da concessionária se dá em decorrência da liquidação da empresa, o que não ocorre nos casos de recuperação judicial, justamente em respeito ao princípio da preservação da empresa, consubstanciado no art. 47 da lei 11.101/05.

Lado outro, diante das dificuldades financeiras-econômicas que levaram ao pedido de RJ, a extinção do contrato de concessão pode ocorrer pelo inadimplemento das obrigações.

Conforme entendimento de Manoel Justino Bezerra Filho: “A lei 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências, estabelece, em seu art. 35, VI, que a concessão fica extinta em caso de falência da empresa concessionária. O serviço público não pode ser interrompido ou mesmo extinto (princípio da continuidade) e, segundo anota Bruscato (Manual.p. 677), o poder concedente deve assumir de imediato o serviço, retornando a ele todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário.” (Manoel Justino Bezerra Filho, 2022, p. 536)

No caso específico de concessionária de energia elétrica, observa-se que a lei 12.767/12 prevê uma forma específica de superação da crise de tais empresas, tendo como responsável pelas medidas de superação da crise a agência reguladora ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica.

Assim, caso haja qualquer irregularidade na prestação dos serviços de energia elétrica, a União, por meio da ANEEL poderá promover intervenção para adequação na prestação do serviço, a qual deverá ter duração de um ano, sendo admitida uma prorrogação de até mais dois anos e, no prazo de 30 (trinta) dias, deverá ser instaurado procedimento administrativo para apuração das causas e responsabilidades.

Durante a intervenção, os mandatos dos administradores e membros do conselho fiscal serão suspensos e transferidos ao interventor, o qual também deverá desempenhar alguns deveres, tais como arrecadação de livros e documentos da concessionária, levantar o balanço, além do inventário de livros, documentação, bens e dinheiro da empresa.

Cumpre destacar que o interventor visa a adequação da prestação dos serviços, mas não é o responsável pelas medidas de recuperação da empresa concessionária, sendo obrigação dos seus acionistas a apresentação de Plano de Recuperação e Correção das Falhas e Transgressões que Ensejaram a Intervenção, conforme previsto no art. 12 da lei 12.767/12, o qual “não poderá afetar garantias da Fazenda Pública aplicáveis à cobrança dos seus créditos nem alterar as definições referentes a responsbilidade civil, comercial ou tributária”. (Tomazette, 2023, p. 588)

O Plano será apreciado pela ANEEL, a qual poderá fazer cessar a intervenção, passando a concessionária a cumprir as obrigações nele previstas para recuperação e correção das falhas e transgressões, sob pena de caducidade da concessão. Lado outro, em caso de não apresentação ou indeferimento do Plano, a própria ANEEL deverá tomar medidas para restabelecimento da qualidade dos serviços, tais como declaração de caducidade, cisão, incorporação, fusão ou transformação da empresa, além de alteração do controle societário, aumento de capital social, dentre outras.

A respeito da possibilidade de uma intervenção do governo federal na empresa Light, o Dr. Alexandre Silveira, Ministro de Minas e Energia, se manifestou no sentido de que está sendo discutida internamente a situação da empresa e não negou a possibilidade de intervenção.


SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. – 3. ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022.

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falências: Lei 11.101/2005: Comentada artigo por artigo. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.

TOMAZETTE, Marlon. Falência e recuperação de empresas, vol. 3. 11. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ. RJ: Deferido pedido de recuperação judicial de empresa controladora de concessionárias de serviços públicos de energia elétrica com extensão de efeitos às concessionárias. Disponível em 26/05/2023: https://site.mppr.mp.br/civel/Noticia/RJ-Deferido-pedido-de-recuperacao-judicial-de-empresa-controladora-de-concessionarias.

Fonte: Migalhas

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